BRUNNA SALVINO, DE CAMPO GRANDE
Era outubro de 2024, quando num leito do Hospital Regional de Campo Grande nasceu um dos registros musicais mais tocantes dos últimos tempos.
A música “Vale a pena”, gravada por Alexandre Campos, o “Caju”, como era carinhosamente chamado, passou a comover milhares de pessoas nas redes sociais e já circula pelas principais plataformas digitais por meio do perfil do grupo Via Vocal (ouça aqui).
A história por trás da canção é tão potente quanto sua melodia. Após o fim do grupo gospel Ângeluz em 2007, Caju se mudou para Corumbá, onde passou a trabalhar como pedreiro — profissão que exerceu com esforço, mesmo mantendo viva sua ligação com a música.
A história por trás da canção é tão potente quanto sua melodia
Em janeiro de 2023, recebeu o diagnóstico de câncer nos rins, com metástase nos pulmões e na cabeça. Apesar de cirurgia e tratamentos, a doença se espalhou ainda mais pelo corpo.
Cinco meses depois, em junho de 2023, Caju contou ao amigo Alexsandro Nogueira, o Sandrinho, jornalista e músico em Campo Grande, que tinha o sonho de gravar uma nova música com alguns ex-companheiros do Ângeluz, criado por ele em 1992.
“Ele queria que a canção levasse uma mensagem de fé a quem crê na ressurreição de Cristo, além de demonstrar que a morte não é o fim”, relembra.
Em janeiro de 2023, recebeu o diagnóstico de câncer nos rins, com metástase nos pulmões e na cabeça
Com o tempo, Alexsandro esqueceu-se do pedido de Caju. “Era 14 de setembro de 2024, um sábado chuvoso. Eu trancado num hotel em Bonito, me lembro do pedido dele e faço a música. Escrevi a letra em minutos e passei a responsabilidade da melodia ao Leonardo Martins”, conta.
A gravação ocorreu um mês depois, de forma improvisada, com gravador de celular no quarto do hospital. “Ele estava internado no Hospital Regional. Eu tinha mandado a letra para ele, via aplicativo de conversa. Em dois dias, ele já sabia a letra toda e gravei com ele no quarto”, diz.
Para impedir a captação do barulho do ambiente hospitalar, além do ruído do oxigênio, Caju se envolveu em um colchonete para isolar o som da voz, simulando um estúdio de gravação.
A gravação ocorreu um mês depois, de forma improvisada, com gravador de celular no quarto do hospital
A estratégia, contudo, não deu muito resultado, cujos ruídos tiveram que ser removidos com o auxílio de inteligência artificial.
“Vale a pena” foi gravada em partes, nos últimos dias de vida de Alexandre. Apesar de ter escutado apenas uma parte da gravação, sua missão foi cumprida. Ele morreu em 29 janeiro deste ano, aos 52 anos, mas deixou como legado a sua última canção, um verdadeiro hino de esperança.

O projeto contou ainda com as vozes de Ronaldo Fagundes, Gissela Kroll, Karin Kiefer, Patrícia Lessa e Leonardo Martins, além da participação especial do multi-instrumentista Sandro Haick, conhecido pelos trabalhos com Fafá de Belém, Fábio Jr. e Dominguinhos, e do músico Otávio Neto, ex-integrante do Fat Family.
“É um testamento, um registro final de quem escolheu cantar até o fim. Ele não teve medo de partir. Agora, a voz dele está lá, viva, para quem quiser ouvir. E isso, para mim, é um milagre da arte”, resume Sandro Haick.
“Vale a pena” foi gravada em partes, nos últimos dias de vida de Alexandre
A canção está disponível no perfil do Via Vocal nas plataformas digitais (ver aqui). A música se tornou não somente símbolo de despedida, mas de fé e amor pela vida — um verdadeiro milagre musical nascido em meio à dor.