BRASÍLIA
A ministra do Planejamento, Simone Tebet, deu aval à proposta do governo que deixa de exigir a devolução de bens em caso de fraudes cometidas por ONGs beneficiadas com verba pública.
O governo enviou ao Congresso Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) para 2026 sem essa exigência, apesar de um alerta de técnicos da pasta comandada por Tebet sobre “ambiente propício a desvios”.
Especialistas e a consultoria do Congresso apontam perda de controle dos recursos com a mudança.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
O projeto, que ainda será votado, foi remetido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em abril. Coube à ministra, que comanda o ministério responsável pela elaboração do Orçamento da União, assinar a mensagem de três páginas enviada a Lula com o pedido de aprovação da proposta. O texto foi elaborado pela Secretaria de Orçamento Federal, uma das subordinadas a Simone Tebet.
“Deve-se enfatizar a importância do Projeto de Lei em comento para o regramento necessário à elaboração do Projeto e da Lei Orçamentária de 2026, sua aprovação e execução, e a consolidação de bases fiscais necessárias ao alcance do crescimento sustentável do País”, escreveu a ministra, na mensagem a Lula.
A LDO serve como base para a Lei Orçamentária Anual e trata de uma série de temas. Estabelece metas e prioridades do governo, define parâmetros da política fiscal, fixa limites para despesas obrigatórias e investimentos públicos. Também disciplina alterações na legislação tributária, orienta a aplicação dos recursos por bancos públicos e apresenta projeções para a dívida pública.
A LDO serve como base para a Lei Orçamentária Anual e trata de uma série de temas
Sem comentário
Procurada por meio da assessoria para comentar a exclusão da chamada “cláusula de reversão patrimonial”, a ministra não comentou. O ministério, por sua vez, emitiu uma nova nota na qual afirma que o governo “não aboliu controles, pelo contrário, padronizou as exigências, garantindo transparência e segurança jurídica”.
No entanto, é a primeira vez em pelo menos dez anos que o dispositivo fica fora do PLDO. A cláusula de reversão patrimonial era considerada por técnicos “já tradicional” nas LDOs aprovadas pelo Congresso.
O ministério minimiza a supressão por considerar que está mantida a obrigação de incluir nas parcerias com as ONG uma cláusula que trate da destinação de bens. Para técnicos em orçamento da Câmara, porém, foi eliminada “desnecessária e injustificadamente” uma ferramenta de proteção do patrimônio público.
É a primeira vez em pelo menos dez anos que o dispositivo fica fora do PLDO
Um parecer técnico da consultoria jurídica do Planejamento classificou a cláusula como “garantia real em favor do poder público, assegurando que os bens adquiridos com recursos públicos retornem ao patrimônio estatal em caso de desvio de finalidade”.
Apesar do alerta, a Secretaria de Orçamento Federal optou por fechar e enviar o projeto sem o dispositivo. A mudança, revelada pelo Estadão, ocorre no momento em que o governo federal bate recordes de repasse de dinheiro para essas organizações.
Especialistas lembram que a legislação já determina devolução de recursos em caso de irregularidades, mas a regra excluída pelo governo no projeto da LDO trazia uma “camada” a mais de proteção e garantia a exigência nas regras do Orçamento de cada ano. Agora, o governo abriu um caminho para diminuir o controle sobre esses repasses, no momento em que a União bate recordes de transferências para ONGs.
Especialistas lembram que a legislação já determina devolução de recursos em caso de irregularidades
Críticas consultoria
O Congresso precisa votar a LDO até julho. A proposta já foi objeto de análise por técnicos da Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara. A supressão da regra de devolução de bens foi um dos pontos criticados por eles.
“Elimina-se desnecessária e injustificadamente uma ferramenta de proteção do patrimônio público em um contexto de extrema dificuldade operacional (transferências dispersas em favor dos beneficiários), sem oferecer qualquer alternativa que, direta ou indiretamente, represente meio mais eficaz de materializar a exigência constitucional de garantia da boa e regular guarda e aplicação dos recursos públicos”, destacou o relatório.
O Ministério do Planejamento também entende que em alguns casos a devolução não é interessante à coletividade porque gera obrigações.
“Elimina-se desnecessária e injustificadamente uma ferramenta de proteção do patrimônio público em um contexto de extrema dificuldade operacional” — Trecho de relatório da Consultoria da Câmara dos Deputados
“Nem sempre irão ao encontro do interesse público, gerando obrigações para a administração que muitas vezes não teria destinação adequada para aqueles bens”, informou.
Na nota enviada na segunda-feira, 16, o ministério disse ainda que “reafirma seu compromisso de revisar continuamente a legislação orçamentária, fortalecendo os mecanismos de controle, garantindo o uso eficiente dos recursos públicos e protegendo o interesse público”.